Ao contrário do que possa parecer, fui educado de uma forma cristã. Fui baptizado, fiz a primeira comunhão, fiz a profissão de fé e fui crismado. Ainda me lembro perfeitamente das palavras do bispo quando fui crismado. "Agora estão cheios do Espírito Santo". Bem, fiquei mesmo cheio! Não propriamente do Espírito Santo em si, que não tem nada a ver com a minha frustração, mas com a Igreja, instituição secular.
Uma igreja que me fez colocar, imagine-se, a hipótese do sacerdócio quando tinha uns 11 anitos. Não porque me fascinassem os paramentos ou as rezas, mas porque me fascinava a mensagem de Deus, de Cristo. "Dá a outra face", "Perdoa os teus inimigos", "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" ou "o reino dos céus é dos pobres, ricos de espírito e não dos ricos, que são pobres de espírito". Lembro-me perfeitamente do que o padre da paróquia onde fui baptizado faz questão de salientar todos os Natais "Cristo não nasceu num berço de ouro, num palácio, entre os ricos, mas numa manjedoura, entre a vaca e o burro, no seio dos mais pobres" (Infelizmente, enquanto ele dizia isso, 50% das pessoas comentavam o vestido da outra metade, 25% comentava os sapatos, 20% estava no corte e costura, 4,5% abria a boca de sono e os outros 0,5% era eu).
Mas encoberta nesta imagem valiosa de justiça, fraternidade, solidariedade, amor, perdão e paz, ergueu-se ao longo de vinte séculos, a Igreja, a Santa Igreja. Uma Igreja que instituiu tradições e preconceitos, que em vez de perdoar e conciliar, perseguiu, torturou e queimou; Uma Igreja que educa os "bons e velhos princípios", mas que é dogmática e vê o Diabo no desenvolvimento científico e na evolução tecnológica; Uma Igreja que deveria procurar a paz, mas preferiu e prefere a guerra aos infiéis; Uma Igreja que devia combater a pobreza mas que detêm uma fortuna inigualável; Uma Igreja que renuncia à luxúria, mas quantos não foram os Papas que acolheram na sua corte prostitutas e geraram filhos ilegítimos? E é agora, nos tempos modernos, essa mesma Igreja, com mais de um milhar de milhões de habitantes, que proíbe o preservativo e abomina o aborto, que continua cega nos seus velhos e dogmáticos princípios, ignorando as drogas e a SIDA.
E a hierarquia? Não defendia Cristo que éramos todos irmãos e comíamos do mesmo pão, comungando o mesmo vinho? Que acima dos homens só Deus? Então, porquê um Papa, cento e tal cardeais, uma catraifada de bispos, resmas de padres e legiões de leigos? Porquê esta distinção? Porque anda o padre da minha paróquia a contar os tostões para fazer uma nova igreja enquanto o Papa se dá ao luxo de pedir para trocar o paramento por um ligeiríssimo erro de costura? Porque é que os missionários alimentam os pobres por esse mundo fora com sacos de arroz e farinha enquanto se banqueteia a corte do Vaticano?
Como diz Saramago "Deus fez o homem à sua imagem e semelhança e depois o homem fez Deus à sua imagem e semelhança", e eu acrescentaria: no pior sentido. Deus não é necessariamente um Deus bondoso e misericordioso. Pode ser, em certas alturas dá jeito, mas noutras dá jeito que Deus seja um porco capitalista, duro e implacável. Dá jeito, a igreja enche os bolsos, cortam-se umas cabeças pensadoras e há aquele cheirinho místico a carne assada!
Tempos houve, e não muito distantes, em que parecia que algo ia mudar na Igreja. Lembram-se de João Paulo II? Como não nos podemos lembrar! São cada vez mais as saudades dum Papa que proclamou, mesmo condicionado pelas seculares tradições da Igreja, uma fé verdadeiramente cristã. Talvez tenha sido o primeiro Papa bondoso que não morreu de morte súbita (sabendo nós o que significa morte súbita nos meandros do Vaticano).
Hoje sinto que com o cardeal Ratzinger (é absurdo chamarmos Bento a uma aberração daquelas) a Igreja regrediu pelo menos 200 anos e voltou às velhinhas "boas" tradições. Felizmente, com a variedade de informação disponível, só quem quer ser mesmo ignorante é que continua a seguir estes valores completamente inadequados à sociedade actual. Infelizmente, há cada vez menos pessoas a ler a Bíblia e a perceber a sua verdadeira mensagem. Talvez nem nunca a cheguemos a entender bem, mas é de certo antagónica a esta Igreja de Pecado!